O
FIO DA HISTÓRIA: A GÊNESE DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
Garcia,
Sandra Regina de Oliveira (UEL)
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Os Primeiros Passos da Formação Profissional no Brasil
No
Brasil a formação do trabalhador ficou marcada já no início com
o
estigma da servidão, por terem sido os índios e os escravos os
primeiros aprendizes de
ofício. Com isto, “... habituou-se o povo
de nossa terra a ver aquela forma de ensino como
destinada somente a
elementos das mais baixas categorias sociais". (Fonseca, 1961,
p. 68)
De
acordo com Fonseca, outros fatores influenciaram para a
cristalização
dessa mentalidade: o primeiro fator foi a entrega do
trabalho pesado e das profissões
manuais aos escravos;
isto não só agravou o pensamento generalizado de que os ofícios
eram destinados aos deserdados da sorte, como também impediu, pelas
questões
econômicas, os trabalhadores livres de exercerem certas
profissões. Um outro fator foi que a
educação eminentemente
intelectual que os jesuítas ministravam aos filhos dos colonos
afastava os “elementos socialmente mais altos” de qualquer
trabalho físico ou profissão
manual.
Fonseca
salienta que isto era tão enraizado que para desempenhar funções
públicas uma condição era de nunca o candidato ter trabalhado
manualmente.
Com
a descoberta do ouro em Minas Gerais apareceram as Casas de
Fundição
e de Moeda, e com elas a necessidade do ensino de ofícios para
aprendizes
trabalharem nestas Casas. A aprendizagem feita nas Casas
da Moeda diferenciava-se da
realizada nos engenhos, pois só era
destinada aos homens brancos, filhos dos empregados
da própria
Casa. Outra diferença era que aqueles que aprendiam o ofício, nos
engenhos,
faziam-no de forma assistemática e não precisavam provar
o seu conhecimento prático por
meio de exames. Nas Casas de Moeda
os aprendizes, no fim do período de cinco a seis
anos, tinham que
demonstrar as suas habilidades perante uma banca examinadora e,
sendo
aprovados recebiam uma certidão de aprovação.
No
mesmo período também se iniciaram nos Arsenais da Marinha no
Brasil
centros de aprendizagem de ofícios; os operários
especializados trazidos de Portugal e os
aprendizes eram recrutados
até durante a noite, quando uma patrulha do Arsenal saía e
recolhia todo aquele que fosse encontrado vagando pelas ruas depois
do toque de recolher.
Segundo
Fonseca (1961), algumas vezes a necessidade era tanta que se
recorria ao chefe de polícia, pedindo que enviasse dos seus presos
aqueles que estivessem
em condições de produzir algum trabalho
profissional.
Em
1808, com a abertura dos portos ao Comércio estrangeiro e ao mesmo
tempo, ao permitir a instalação de fábricas
no Brasil, D. João VI criou o Colégio de
Fábricas, que
representou o primeiro estabelecimento que o poder público instalou
em
nosso país, com a finalidade de atender à educação dos
artistas e aprendizes. Salientamos
que estes aprendizes vinham de
Portugal atraídos pela abertura dos portos e das indústrias.
Com
a fundação do Império em 1822 e com a Assembleia Constituinte
de
1823 não houve nenhum progresso em relação ao ensino de
ofícios, isto é, continuava a
mesma mentalidade de destinar este
ramo de ensino aos humildes, pobres e desvalidos.
Só
em 1827 a Câmara aprovou o projeto da Comissão de Instrução que
organizava o ensino público pela primeira vez no Brasil. Neste
projeto a instrução ficou
dividida em quatro graus distintos,
com o ensino de ofícios incluído na 3a série das
escolas
primárias, e depois nos Liceus no estudo de desenho, necessário às
artes e ofícios.
Sobre
isto, Fonseca afirma
“... a
tentativa de organização do ensino revelava uma tendência à
evolução do conceito dominante sobre o ensino profissional, pois
mostrava que a consciência nacional começava a se preocupar com o
problema e a influir no espírito dos homens públicos, ...” (1961,
p.
128)
Posteriormente
em
1834,
mediante
o
ato
adicional,
ocorreu
a
descentralização
do ensino, ficando sob a competência das Províncias o ensino
primário e
secundário, e do governo central o ensino superior. De
acordo com Fonseca:
“...
só por um milagre essa falta de orientação única dos ensinos
elementares e secundário não levou o Brasil à fragmentação, pois
são
eles os elementos mais fortes da formação da unidade
espiritual de um
povo, fatores que dão um denominador comum às
tendências e
aspirações das diversas regiões de um país”.
(Fonseca, 1961, p. 130)
Por
volta de 1852
foi exposta a ideia de fundar estabelecimentos de ensino
de ofícios
que não levassem em conta o estado social de seus alunos. Esta ideia
representou
uma reação formal à mentalidade dominante da época,
mas não passou de um projeto.
O
ensino necessário às indústrias iniciou-se destinado aos
silvícolas, depois
aos escravos, em seguida aos órfãos e aos
mendigos, e mais tarde passou a atender os
excluídos, como cegos e
os surdos-mudos. Isto se deu com a criação, por D. Pedro II, do
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, que se destinava ao ensino de
ofícios: os cegos
aprendiam tipografia e encadernação e os surdos
mudos, sapataria, encadernação, pontação
e douração.
Uma
outra medida neste mesmo período foi o Decreto no 1.331-A de 01 de
fevereiro de 1854, que reformava a instrução primária e secundária
do Município Neutro, e
que continha medidas para os menores
abandonados, criando para eles asilos, onde
receberiam a instrução
de 1o grau e posteriormente seriam enviados às oficinas públicas
ou
particulares para aprenderem um ofício.
Mais
uma vez ficava explícito o papel dos ofícios para os menores
abandonados.
Apenas
vinte anos depois é que foram criadas dez escolas, sendo a uma
delas
estabelecido que deveria executar os artigos 62 e 63. Esta
escola era a Casa do Asilo (1874),
que um ano depois passou a se
chamar Asilo dos Meninos Desvalidos do Rio de Janeiro.
Segundo
Fonseca, João Alfredo, ao fundar o Asilo, não tinha em mente
apenas o problema assistencialista, pois a casa destinava-se não só
a recolher como educar
meninos de 6 a 12 anos de idade. Mas, sem
dúvida o estabelecimento tinha mais caráter de
asilo do que de uma
escola profissional.
Com
o fim da escravidão e a proclamação da República, nascia a
perspectiva
de alterar o panorama em relação ao ensino de
ofícios.
Fonseca
lembra que foi aprovado em 1906 um crédito do governo Federal
para
que os Estados criassem escolas técnicas profissionais.
Conforme
Romanelli (1980), a Constituição da República de 1891, que
instituiu o sistema federativo de governo, consagrou também a
descentralização do ensino e
a dualidade de sistemas, que delegou
à União a criação e o controle do ensino superior e o
ensino
secundário; aos Estados coube criar e controlar o ensino primário e
o ensino
profissional.
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