CETEP de Alagoinhas

CETEP de Alagoinhas

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Um pouco da História da Educação Profissional no Brasil


O FIO DA HISTÓRIA: A GÊNESE DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

Garcia, Sandra Regina de Oliveira (UEL)

1 Os Primeiros Passos da Formação Profissional no Brasil

No Brasil a formação do trabalhador ficou marcada já no início com o estigma da servidão, por terem sido os índios e os escravos os primeiros aprendizes de ofício. Com isto, “... habituou-se o povo de nossa terra a ver aquela forma de ensino como destinada somente a elementos das mais baixas categorias sociais". (Fonseca, 1961, p. 68)

De acordo com Fonseca, outros fatores influenciaram para a cristalização dessa mentalidade: o primeiro fator foi a entrega do trabalho pesado e das profissões manuais aos escravos1; isto não só agravou o pensamento generalizado de que os ofícios eram destinados aos deserdados da sorte, como também impediu, pelas questões econômicas, os trabalhadores livres de exercerem certas profissões. Um outro fator foi que a educação eminentemente intelectual que os jesuítas ministravam aos filhos dos colonos afastava os “elementos socialmente mais altos” de qualquer trabalho físico ou profissão manual.

Fonseca salienta que isto era tão enraizado que para desempenhar funções públicas uma condição era de nunca o candidato ter trabalhado manualmente.

Com a descoberta do ouro em Minas Gerais apareceram as Casas de Fundição e de Moeda, e com elas a necessidade do ensino de ofícios para aprendizes trabalharem nestas Casas. A aprendizagem feita nas Casas da Moeda diferenciava-se da realizada nos engenhos, pois só era destinada aos homens brancos, filhos dos empregados da própria Casa. Outra diferença era que aqueles que aprendiam o ofício, nos engenhos, faziam-no de forma assistemática e não precisavam provar o seu conhecimento prático por meio de exames. Nas Casas de Moeda os aprendizes, no fim do período de cinco a seis anos, tinham que demonstrar as suas habilidades perante uma banca examinadora e, sendo aprovados recebiam uma certidão de aprovação.

No mesmo período também se iniciaram nos Arsenais da Marinha no Brasil centros de aprendizagem de ofícios; os operários especializados trazidos de Portugal e os aprendizes eram recrutados até durante a noite, quando uma patrulha do Arsenal saía e recolhia todo aquele que fosse encontrado vagando pelas ruas depois do toque de recolher.

Segundo Fonseca (1961), algumas vezes a necessidade era tanta que se recorria ao chefe de polícia, pedindo que enviasse dos seus presos aqueles que estivessem em condições de produzir algum trabalho profissional.

Em 1808, com a abertura dos portos ao Comércio estrangeiro e ao mesmo tempo, ao permitir a instalação de fábricas2 no Brasil, D. João VI criou o Colégio de Fábricas, que representou o primeiro estabelecimento que o poder público instalou em nosso país, com a finalidade de atender à educação dos artistas e aprendizes. Salientamos que estes aprendizes vinham de Portugal atraídos pela abertura dos portos e das indústrias.

Com a fundação do Império em 1822 e com a Assembleia Constituinte de 1823 não houve nenhum progresso em relação ao ensino de ofícios, isto é, continuava a mesma mentalidade de destinar este ramo de ensino aos humildes, pobres e desvalidos.

Só em 1827 a Câmara aprovou o projeto da Comissão de Instrução que organizava o ensino público pela primeira vez no Brasil. Neste projeto a instrução ficou dividida em quatro graus distintos3, com o ensino de ofícios incluído na 3a série das escolas primárias, e depois nos Liceus no estudo de desenho, necessário às artes e ofícios.

Sobre isto, Fonseca afirma
... a tentativa de organização do ensino revelava uma tendência à evolução do conceito dominante sobre o ensino profissional, pois mostrava que a consciência nacional começava a se preocupar com o problema e a influir no espírito dos homens públicos, ...” (1961, p. 128)

Posteriormente em 1834, mediante o ato adicional, ocorreu a descentralização do ensino, ficando sob a competência das Províncias o ensino primário e secundário, e do governo central o ensino superior. De acordo com Fonseca:

... só por um milagre essa falta de orientação única dos ensinos elementares e secundário não levou o Brasil à fragmentação, pois são eles os elementos mais fortes da formação da unidade espiritual de um povo, fatores que dão um denominador comum às tendências e aspirações das diversas regiões de um país”. (Fonseca, 1961, p. 130)

Por volta de 18524 foi exposta a ideia de fundar estabelecimentos de ensino de ofícios que não levassem em conta o estado social de seus alunos. Esta ideia representou uma reação formal à mentalidade dominante da época, mas não passou de um projeto.

O ensino necessário às indústrias iniciou-se destinado aos silvícolas, depois aos escravos, em seguida aos órfãos e aos mendigos, e mais tarde passou a atender os excluídos, como cegos e os surdos-mudos. Isto se deu com a criação, por D. Pedro II, do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, que se destinava ao ensino de ofícios: os cegos aprendiam tipografia e encadernação e os surdos mudos, sapataria, encadernação, pontação e douração.

Uma outra medida neste mesmo período foi o Decreto no 1.331-A de 01 de fevereiro de 1854, que reformava a instrução primária e secundária do Município Neutro, e que continha medidas para os menores abandonados, criando para eles asilos, onde receberiam a instrução de 1o grau e posteriormente seriam enviados às oficinas públicas ou particulares para aprenderem um ofício.

Mais uma vez ficava explícito o papel dos ofícios para os menores abandonados.

Apenas vinte anos depois é que foram criadas dez escolas, sendo a uma delas estabelecido que deveria executar os artigos 62 e 63. Esta escola era a Casa do Asilo (1874), que um ano depois passou a se chamar Asilo dos Meninos Desvalidos do Rio de Janeiro5.

Segundo Fonseca, João Alfredo, ao fundar o Asilo, não tinha em mente apenas o problema assistencialista, pois a casa destinava-se não só a recolher como educar meninos de 6 a 12 anos de idade. Mas, sem dúvida o estabelecimento tinha mais caráter de asilo do que de uma escola profissional.

Com o fim da escravidão e a proclamação da República, nascia a perspectiva de alterar o panorama em relação ao ensino de ofícios.

Fonseca lembra que foi aprovado em 1906 um crédito do governo Federal para que os Estados criassem escolas técnicas profissionais.

Conforme Romanelli (1980), a Constituição da República de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou também a descentralização do ensino e a dualidade de sistemas, que delegou à União a criação e o controle do ensino superior e o ensino secundário; aos Estados coube criar e controlar o ensino primário e o ensino profissional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CNI – Confederação Nacional da Indústria. Educação Básica e Formação Profissional. Rio de Janeiro, 1993. mimeo.
FERREIRA, Eva Waisros; TEIXEIRA, Zuleide A. A educação clássica redimensionada. In: BRZEZINSKI, Iric. LDB Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997.
FONSECA, Celso Suckow. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Técnica, 1961. v.1.
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
KUENZER, Acácia Z. Ensino Médio e Profissional: as políticas do Estado Neoliberal. São Paulo: Cortez, 1997.
NEVES, Lúcia M. W. A Hora e a Vez da Escola Pública: um estudo sobre os determinantes da política educacional do Brasil de hoje. Rio de Janeiro: UFRJ, 1991. Tese de doutorado.
_____. Brasil Ano 2000 – Uma nova divisão de trabalho na educação. Rio de Janeiro: Papéis e Cópias, 1997.
_____. I Seminário sobre Reforma do Ensino Profissional. Mimeografado. Curitiba, 1997.
NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci . Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
ROMANELLI, Otaíza de O. História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 1980.
SAVIANI, Dermerval. A Nova Lei de Educação: trajetória, limites e perspectivas . Campinas: Autores Associados, 1997.
1 Até então os artigos que eram produzidos pelos trabalhadores das fazendas gozavam de certa consideração e estes transmitiam aos mais jovens o conhecimento que tinham sobre o manejo das ferramentas e sobre a tecnologia das profissões. Este prestígio acabou quando esta aprendizagem caseira de ofícios passou a ministrada aos escravos, passando os “homens brancos” a desprezarem o ensino de ofícios.
2 Até então era proibido pelo alvará de 5 de janeiro de 1785, que obrigou o fechamento de todas as fábricas, justificando da seguinte forma:
O Brasil é o país mais fértil do mundo em frutos e produção da terra. Os seus habitantes tem por meio da cultura, não só tudo quanto lhes é necessário para o sustento da vida, mais ainda muitos artigos importantíssimos, para fazerem, como fazem, um extenso comércio e navegação. Ora, se a estas incontestáveis vantagens reunirem as das indústrias e das artes para o vestuário, luxo e outras comodidades, ficarão os mesmos totalmente independentes da metrópole. É, por conseguinte, de absoluta necessidade acabar com todas as fábricas e manufaturas no Brasil”. (Alvará de 05.01.1785 in Fonseca, 1961).
3 Os graus são: 1) Pedagogias, que se destinava ao 1o grau; 2) Liceus, que seria o 2o grau; 3) Ginásios, destinados a transmitir conhecimento relativo ao terceiro grau; e 4) Academias destinadas ao ensino superior.
4 Projeto apresentado pelo vereador Manuel Araújo Porto Alegre do Município Neutro, em 1852 (Fonseca, 1961, p. 137, v.1).
5 Sobre o Asilo dos Meninos Desvalidos (1875) que posteriormente (1910) passou a se chamar: Escola Estadual João Alfredo ver tese de mestrado de MARQUES, Jucinato de S. Os Desvalidos: o caso do Instituto Profissional masculino (1894-1910): uma contribuição à História Social das instituições educacionais na cidade do Rio de Janeiro – UFRJ, 1996.

Nenhum comentário:

Postar um comentário